Batelão, um barco-casa

15, julho, 2014

Para chegar à aldeia São Vicente, na Terra Indígena Kaxinawá do Rio Humaitá, localizada no Acre, é preciso percorrer as estradas aquáticas dos rios Muru e Humaitá, este último conhecido como o rio das araras. O viajante segue atento às araras que batizam aquelas águas, mas nada dessas aves colorirem o caminho, marcado mesmo por tracajás que se espreguiçam nos troncos caídos em suas margens.

Mas voltando ao percurso até a aldeia. A viagem feita a bordo do batelão dos Huni Kuin (como os Kaxinawás preferem ser chamados) da aldeia São Vicente traduz muito como esse povo vive em sintonia com os recursos da natureza. A embarcação vira casa, o rio é sua geladeira. Navegar pelo rio é como folhear um livro cheio de imagens exuberantes.

A partir da cidade de Tarauacá (AC), a bordo de um batelão, a viagem é lenta. Pode demorar dois, três, cinco dias, tempo que varia conforme as temporadas de inverno ou verão, por conta da quantidade de água que enche e vaza nos rios.
Nem adianta ter pressa em chegar. Assim, o jeito é ir parando de aldeia em aldeia (são cinco na TI do rio Humaitá), para visitar algum parente numa, pegar carvão e farinha em outra ou comprar galinha na casa de algum ribeirinho.

Nesse percurso lento e longo, dá para cozinhar macaxeira e banana no fogareiro feito num latão, mariscar, seguir embalado na rede, observar as samaúmas que se agigantam nas beiradas, ver os rasantes dos pássaros nas águas (verdes, no verão) do Humaitá. No finzinho da tarde, é hora de pensar onde será a dormida, que pode ser numa praia ou no próprio batelão-casa. Se no batelão dá para facilmente atar as redes, como fazer para dormir na praia?

Ao desembarcar numa das bonitas praias do Muru, as crianças pequenas se atiram na água. As maiores procuram o anzol para pegar o reforço do jantar.
Em menos de uma hora, os homens derrubam alguns paus e constroem uma estrutura para amarrar as redes. O telhado é o céu chapado de estrelas, o cobertor a fogueira estralando durante a noite. Hora de dormir para no dia seguinte seguir viagem.